“Horas depois de chegar à Cidade do Cairo. a narradora desse delicado romance oferece à avó. que a acompanha em sua aventura. uma massagem de relaxamento. Depara. então. com as inúmeras pintas que cobrem o corpo da velha senhora. “Cada sinal conta uma história. (…) Cada sinal é uma fotografia da alma”. pensa.\n\u003Cp\u003EEsta cena espelha a atmosfera visceral do romance de Jerusa Nina. Cada linha parece arrancada do corpo. Cada palavra se abre como uma ferida. em que a autora revela uma cicatriz de seu espírito.\n\u003C\/p\u003E\u003Cp\u003ENossas vidas não passam de um conjunto de viagens que se entrelaçam. De cada voo. de cada salto. uma marca – e eis que uma narrativa se escreve. Viagens que. mesmo que nunca venham a ser escritas. rendem muitos livros. Relatos cheios de calor. que nos envolvem e que fazem de nós. enfim. o que somos. Vozes que serpenteiam dentro do leitor. Tanto que. em alguns momentos. as próprias personagens falam sobre o livro que estamos lendo. Vivemos todos retidos nesse emaranhado de vozes. longa cortina que lutamos. sem sucesso. para remendar.\n\u003C\/p\u003E\u003Cp\u003ENas memórias da narradora. ecoam as palavras do bisavô: “Não se fala ‘reto’. A palavra é ‘íngreme’.” Também a escrita de Jerusa serpenteia. oscila. às vezes quase se desfaz em suas próprias emoções. mas segue em frente. Também a avó. mesmo quando a doença a dobra. não perde a aparência de uma tamareira – árvore que as duas conheceram juntas no Egito. “Ela tem fundamento na água e a copa no fogo”. descreve. Falando da tamareira. recorda: “Tâmr vence o sol causticante. transpõe qualquer intempérie. não se abala com vendavais.” Imagem viva da avó. a árvore persiste como uma metáfora. “Vovó é uma tamareira. Sou uma tâmara de suas safras.”\n\u003C\/p\u003E\u003Cp\u003EEssas revelações espantosas. tramadas no bojo da linguagem. ecoam nas palavras da narradora quando ela se defronta com as pirâmides de Gizé: “Não é que elas realmente existem?” É do inacreditável que fabricamos. gota a gota. nossas existências. É dele também que a narrativa delicada de Jerusa escorre. Um dia. diante de um papiro. as peças se juntam: “Extasiada. entendo que a escrita é um fator perpetuador da humanidade e que já há 2375 anos antes de Cristo se fazia presente.” É ali. ainda. que ela formula um desejo: “Quero escrever. Preciso escrever. Fazer disso o meu significado e a minha razão.” É da memória. que se desenrola em saltos ousados. que Jerusa arranca seu belo relato. Aventura que só se faz para além do medo. Como diz a corajosa personagem: “Sou uma águia. Preciso me isolar para renascer em um voo de liberdade.”\n\u003C\/p\u003E\u003Cp\u003E\n\u003C\/p\u003E\u003Cp\u003EJosé Castello\u003C\/p\u003E