Este livro poderia se chamar “Uma história da vulnerabilidade”. Com mão levíssima- Denise Sant’Anna segue um fio narrativo sobre nossas mazelas físicas ― e o quanto a nossa frágil condição humana tem reflexos na forma como nos relacionamos com o mundo e construímos nossas memórias. A cabeça do pai e um romance sobre os laços emocionais e orgânicos que nos ligam aos outros- atravessados tanto pela violência quanto pelas graças do acaso. A narrativa tem início quando o pai da narradora- idoso e exausto de cuidar da esposa com Alzheimer- embora física e mentalmente ativo- sofre um AVC hemorrágico. O trágico episódio abre uma janela para a memória afetiva- descortinando uma teia de relações familiares e sociais acerca da consciência da morte. Com cada capítulo estruturado em torno de um órgão ou membro do corpo- o romance ganha fôlego na mistura de relato pessoal- memorialismo e ficção de tinturas tragicômicas. Sua poderosa leitura da crescente medicalização da vida- em que somos entupidos de remedios e- quando mais velhos ou vulneráveis- dispostos em mecanismos para prolongar nossa precariedade- vem a reboque de anedotas familiares e causos da narradora ― relembrados com a leveza que somente o distanciamento temporal e capaz de oferecer. Mas nem tudo e assombrado pela presença da morte neste romance. A descoberta do sexo- o nascimento de amizades e a relação madura que constituímos com nossos pais quando envelhecemos tambem aparecem ― com brilho e ritmo seguro ― no livro. A narradora parece acreditar- e com razão- que por detrás de nossa fragilidade há uma potência quase infinita: a capacidade que temos de contar a nossa própria história e a daqueles que nos deixaram. Porque no fim- resta-nos levantar as sobrancelhas e rir. Da vida ou da morte.